Meta contínua de inflação – Quais são os riscos para o Brasil e para os investidores?

 

       O Conselho Monetário Nacional (CMN) manteve dia 29 a meta de inflação em 3% para 2026, com uma margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, e aprovou a adoção do sistema de meta contínua a ser perseguida pelo Banco Central (BC) a partir de 2025.

 

         O colegiado inclui os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), além do presidente do BC, Roberto Campos Neto. O sistema de metas para a inflação, por sua vez, foi estabelecido em diversos países no final dos anos 1990 e é usado até hoje para moderar os preços. No Brasil, ele existe desde 1999.

 

          Para Evandro Buccini, sócio e diretor de crédito e multimercados da Rio Bravo Investimentos, o fato de se estar quase em julho e o Brasil ainda não ter uma meta definida para o próximo ano pode ser considerado uma situação bizarra. “Isso ocorre apesar de o próprio BC afirmar que suas decisões de política monetária costumam levar de dez a doze meses para alcançar seu efeito máximo. Tradicionalmente, o CMN estabelece a meta de inflação com antecedência significativa, permitindo que o BC ajuste suas políticas de acordo com um horizonte relevante de dez a doze meses. A demora na definição da meta para o próximo ano pode indicar uma maior liberalidade com a inflação ou, no mínimo, uma interpretação mais ampla das diretrizes pelo Comitê de Política Monetária (Copom)”, aponta.

Como é atualmente?

 

           O CEO da Multiplike, Volnei Eyng, explica que, atualmente, a meta de inflação brasileira é definida seguindo o chamado ano-calendário. “A autoridade monetária deve perseguir uma meta de inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a ser alcançada ao fim de cada ano. Esta meta é definida anualmente pelo CMN, em junho, sempre para três anos à frente. Em 2023, o conselho definiu a meta para 2026, mantendo os parâmetros de 3%, com uma margem de tolerância entre 1,5% e 4,5%”, diz.

 

        Segundo ele, caso a inflação em dezembro fique fora desses limites, o presidente do BC deve enviar uma carta aberta ao ministro da Fazenda explicando as razões para não ter cumprido a meta. “Como o sistema exige que a inflação atinja a meta apenas ao fim do ano, não há exigência de cumprimento durante os outros meses, o que tem acontecido com frequência nos mais de 20 anos do sistema de metas no Brasil”, destaca.

 

Mas, o que é a meta contínua?

 

        De acordo com André Colares, CEO da Smart House Investments, a adoção da meta contínua de inflação significa que o BC buscará a meta de inflação de maneira constante, sem a exigência de atingi-la ao final de cada ano. “Isso oferece ao BC mais flexibilidade para ajustar a política monetária com um horizonte mais longo, resultando em uma abordagem mais gradual e menos abrupta para controlar a inflação”, ressalta.

 

       O executivo elenca que para a população isso pode significar uma política monetária menos volátil e taxas de juros mais estáveis, mas também pode atrasar o ajuste necessário para conter picos inflacionários. “No entanto, existe o risco de que a flexibilidade da meta contínua possa ser utilizada para fins políticos, especialmente em períodos eleitorais. Com a possibilidade de ajustar a meta de inflação em prazos mais longos, o governo pode optar por políticas fiscais mais expansionistas, aumentando os gastos públicos para estimular a economia a curto prazo, o que pode levar a uma inflação mais alta no longo prazo. Essa prática, se não for bem conduzida, pode comprometer a credibilidade do Banco Central e a confiança dos investidores”, ressalta.

O que resta saber?

 

        Graziela Ariosi, estrategista-chefe da Swiss Capital Invest, lembra que diante do exposto resta saber se essa mudança proposta está visando a retomada da economia brasileira ou se será para benefício próprio do governo, com as proximidades da eleição possibilitando o aumento dos gastos públicos. 

 

        “Com a mudança para a meta contínua, haverá maior flexibilidade e, consequentemente, um corte na taxa Selic, que é o que o governo vem buscando. Com a inflação mais controlada, a taxa Selic tende a diminuir, e entraremos em uma política monetária expansionista, que visa aumentar a liquidez de moeda na economia, estimular o consumo da população e promover uma maior busca por créditos e financiamentos. Dessa forma, os investimentos na área da construção civil se tornarão ainda mais atrativos”, indica.

 

Autonomia do BC é essencial

 

        O sócio da Ipê Investimentos, Fabio Murad, reforça que apesar de a meta contínua poder justificar decisões políticas de curto prazo, a autonomia do BC é essencial para a estabilidade econômica. “A interferência na política monetária pode levar a resultados econômicos indesejados e comprometer a credibilidade do Bacen. Teoricamente, a flexibilização da meta de inflação permitiria a redução dos juros mesmo com a inflação alta. No entanto, isso é arriscado e pode desencadear uma espiral inflacionária. Portanto, o BC precisa agir com prudência ao definir a taxa de juros, mesmo com uma meta flexível”, afirma.

 

Alinhada às economias globais

 

          Para  Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, a meta contínua de inflação está alinhada com as principais economias globais, que ajustam suas metas de acordo com o cenário atual. “No entanto, no Brasil, há o risco de o poder executivo usar situações específicas, como a catástrofe no Rio Grande do Sul, para alterar a meta com o verdadeiro objetivo de aumentar os gastos públicos enquanto busca a redução da Selic, atitudes completamente antagônicas na economia”, aponta o especialista.